1. Dispõe o artigo 1345, do Código Civil, que: “O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”.
Vale dizer: ainda que anteriores à data da aquisição, o adquirente de unidade condominial responde pelas cotas condominiais em atraso.
Por isso, deve o compromissário comprador de unidade condominial exigir do compromitente vendedor a Certidão Negativa de Débito condominial, que deverá ser assinada pelo síndico — reconhecimento de firma — e vir acompanhada de cópia autenticada da ata da assembleia que o elegeu.
Anota-se v. acórdão segundo a qual a “declaração da empresa integrante da administração do condomínio, embora não preencha os requisitos legais, vale como quitação do débito, de acordo com o parágrafo único do art. 320 do CC” (negrito e grifo nosso) (TJDFT – Apelação Cível nº 2006011058977APC – 3ª Turma Cível – rel. Desembargador João Mariosi – j. 03.09.2008).
Registre-se, pela sua importância quanto ao tema que a declaração de inexistência de débitos condominiais em atraso emitida pelo alienante, consignada no instrumento de compra e venda ou de transferência de direitos (§ 2º, do artigo 2º, da Lei nº 7.433/85), não afasta a responsabilidade do adquirente da unidade condominial em relação ao condomínio, segundo lição do Ministro Ari Pargendler: “Se o vendedor declarou inexistir débitos condominiais, havendo-os, o adquirente do imóvel tem pretensão e ação contra ele, não contra o condomínio” (STJ – Agravo de Instrumento nº 653.907 – 3ª Turma – j. 20.04.2006).
2. Efeitos da Certidão Negativa de Débito condominial expedida, por equívoco, pelo síndico.
Decidiu pela exoneração de responsabilidade do adquirente da unidade condominial, a Egrégia 8ª Câmara Cível do Colendo Tribunal de Justiça do Paraná, em v. acórdão relatado pelo Magistrado João Domingos Kuster Puppi: “Tendo, o condômino, antes da aquisição, obtido declaração de quitação das verbas condominiais anteriores, assinada pelo síndico de então, tendo agido de boa-fé, antes e depois da aquisição, não se sustenta a posição do Condomínio, que pretende cobrar tais verbas do adquirente, fiando-se na natureza propter rem da obrigação. A natureza propter rem da obrigação de pagar as despesas condominiais não pode ter o alcance de transformar atestado de inexistência de despesas condominiais – regularmente assinado por quem tinha poderes para tanto – em documento sem nenhuma valia, com a consequente cobrança do atual condômino, que confiou no documento e no fato por ele comprovado. Observa-se, na declaração lançada à f. 175, que o representante legal do condomínio apelante, a síndica (…), certificou para todos os fins e direito, que a unidade condominial n. 22 nada possuía de débitos anteriores à data de 22 de outubro de 2005. O débito reclamado em juízo às f. 02/04 corresponde exatamente a período anterior à declaração negativa de débito. Na impugnação à contestação, o apelante, às f. 178, alegou que houve equívoco da síndica ao emitir a declaração de inexistência de débito, o que não tem o condão de invalidar seu ato. Isso porque, o teor da declaração deve ser considerado como prova de pagamento, eximindo a apelada da cobrança das cotas referentes aos meses declinados, sob pena de se instaurar completa insegurança jurídica dos atos emanados do representante legal do condomínio edilício. Nesse sentido: (…) Desta forma, o teor da declaração deve ser considerado como prova de pagamento, eximindo a apelada do pagamento das taxas condominiais objeto da presente ação de cobrança” (TJPR – Apelação Cível nº 782133-0 – 8ª Câmara Cível – j. 07.07.2011).
Pelo mesmo norte o Magistrado Clóvis Castelo: “A quitação de débitos condominiais ao síndico do condomínio não destituído legalmente é válida e eficaz, de conformidade com os arts. 1.348, VII e 309 do Código Civil” (TJSP – Apelação nº 0007789-80.2011.8.26.0223 – 35ª Câmara de Direito Privado – j. 04.02.2013).
3.- A Certidão Negativa de Débito tem prazo de validade até o vencimento da próxima cota condominial, e não de 30 dias contado da data da sua emissão.
4.- Medite-se, agora, nas seguintes hipóteses:
. condomínio celebra acordo extrajudicial com o antigo proprietário e expede em favor do adquirente certidão negativa de débito: “A regra disposta no artigo 1.345, do Código Civil, segundo a qual o pagamento de taxa condominial consubstancia obrigação propter rem, podendo ser cobrada do adquirente dos direitos sobre o imóvel, é mitigada quando o condomínio atesta a regularidade das despesas edilícias retroativas à cessão. A cobrança do débito em relação aos adquirentes, nesse caso, caracteriza a adoção de comportamento contraditório, violando o princípio geral da boa-fé objetiva e, consequentemente, a legítima expectativa de regularidade das taxas condominiais gerada nos apelados, praticando a vedação contida no brocardo venire contra factum proprium. Não há como imputar aos terceiros, novos adquirentes do imóvel, o descumprimento de acordo extrajudicial celebrado entre o condomínio e o antigo proprietário do bem, uma vez que não participaram da transação” (TJDFT – Apelação nº 0713918-31.2018.8.07.0001 – 6ª Turma Civel – rel. Desembargador Esdras Neves – j. 24.10.2018); e
. condômino efetua depósito judicial na ação de cobrança que lhe é proposta e exige do condomínio a certidão negativa de débito: “Inviável que a parte ré pretenda obter uma certidão negativa de débito justamente quando a ação versa sobre o inadimplemento de tais valores, não possuindo o depósito judicial condão liberatório, uma vez que, na situação em exame, aquele não se reveste como pagamento, porquanto sequer entrou na esfera patrimonial da parte credora. Ademais, sabido que os critérios de remuneração do depósito judicial e os incidentes sobre cotas condominiais inadimplidas são distintos, contexto que denota a impossibilidade que se certifique a inexistência de um débito quando este ainda existe” (TJRS – Apelação nº 0333932-03.2017.8.21.7000 – 20ª Câmara Cível – rela. Desembargadora Walda Maria Melo Pierro – j. 28.02.2018).
O síndico responde perante o condomínio por sua desídia.
5. A espécie legal considerada merece algumas considerações esclarecedoras.
Aliás, toda a análise de um dispositivo legal é muito delicada e não pode desprezar os dados concretos de uma situação de fato.
Por isso já diziam os romanos: ex facto oritur jus, isto é, do fato nasce o direito.
Realmente, da realização dos atos na sociedade humana (fatos sociais) nasce (surge) o direito.
Assim, tão simples. Aparentemente, pois os interesses (individuais, da soma de vários indivíduos, ou coletivos, noutro sentido) são os mais variados e dependentes e outros “vários” interesses.
Indo ao que interessa na espécie, quando o mencionado art. 1345, do Código Civil de 2001, diz “O adquirente de unidade responde …”, fala, evidentemente, de adquirente, mas não de “proprietário” ou “possuidor”, em sentido próprio, específico, estrito, que têm sentidos próprios, diversos de “proprietário” ou “possuidor”, em sentido estrito, jurídico. Alguém pode ser “comprador” por escritura definitiva ou não, ou, ainda, particular, à vista ou à prazo, o donatário, o usufrutuário, o arrematante, etc., podendo também o “possuidor” sê-lo por instrumento público (escritura) ou particular, à vista ou à prazo, etc.. Seriam todos “adquirentes”?
Não sem razão, de acordo com o Dicionário Houaiss, adquirente “1 que ou aquele que adquire alguma coisa; adquiridor. 1.1 JUR. Que ou aquele que se torna proprietário de um bem móvel ou imóvel, através de venda, troca, herança, doação ou qualquer outro meio legal …” (HOUAISS, Antônio. DICIONÁRIO HOUAISS, Rio de Janeiro: Objetiva, 1ª ed., 2009, pág. 54).
Maria Helena Diniz, de sua parte, informa: “ADQUIRENTE. Direito Civil. É a pessoa natural ou jurídica a quem se confere, gratuita ou onerosamente, a propriedade de coisa móvel ou imóvel ou a titularidade de um direito, em razão de lei ou de ato jurídico” (Dicionário Jurídico, São Paulo: Saraiva, vol. 1, 1998, pág. 116).
De qualquer forma, num caso concreto pode-se intuir quem seja o adquirente de uma unidade condominial, porque, ao final, sempre há um responsável pelas taxas condominiais, visto que a natureza jurídica dessas taxas ou despesas é propter rem, vale dizer, a obrigação de pagar acompanha a coisa, ou, a coisa (no caso unidade condominial) responde pelas taxas ou despesas condominiais.
Outrossim, vendedor não é o titular, credor, das taxas ou despesas condominiais.
Ainda quanto o síndico declarar que o condômino está quite com as taxas ou despesas condominiais é preciso cautela.
Mas, mesmo neste caso, alguém responde pelas taxas ou despesas condominiais, segundo os princípios jurídicos e segundo a concreta situação jurídica considerada.
Para o caso considerado, é isso (art. 1345, do Código Civil).