Primeiro é importante fazermos distinção acerca das espécies existentes de vagas de garagem, as quais poderão ser das seguintes espécies:
- Vaga autônoma:São aquelas que possuem uma matrícula própria junto ao cartório de registro de imóveis competente, sendo de propriedade privativa e individual de seu titular, a qual, inclusive, representa uma fração ideal do solo autônoma e pode ser vendida separadamente da unidade habitacional.
- Vaga vinculada:Não possuem matrículas próprias, pois são vinculadas às matrículas das unidades habitacionais. A unidade imobiliária é composta tanto pela área privativa da unidade habitacional acrescida da área da vaga de garagem, motivo pelo qual não pode ser vendida separadamente do apartamento.
- Vaga que faz parte da área comum:Nesta hipótese as unidades habitacionais não possuem uma vaga de garagem própria, mas sim um espaço de estacionamento na área comum do condomínio destinada para esta finalidade específica, o qual não poderá ser vendido em separado, eis que o titular do apartamento possui um mero direito de uso da área comum.
Caso o veículo seja velho, esteja estragado, mas esteja estacionado na vaga privativa de titularidade do respectivo condômino e não gere qualquer interferência prejudicial à saúde, ao sossego e à salubridade dos demais coproprietários, o condomínio não dispõe de nenhuma conduta em face do responsável pelo veículo, eis que o mesmo está se valendo do direito de uso de sua propriedade, que encontra-se encartado no artigo 1.228 do Código Civil, abaixo transcrito:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Há, ainda, que se ressaltar, o fato de que o direito de propriedade é uma cláusula pétrea constitucional inserido no artigo 5.º, XXII, da Constituição Federal, sendo uma das principais balizas do Estado Democrático de Direito, o qual fora concebido tendo como mote a revolução burguesa (revolução francesa), cujo escopo fora iminentemente patrimonial.
Entretanto, se o veículo estiver estacionado em área comum do condomínio, tais como vagas rotativas/coletivas e/ou destinadas para visitantes, haverá o uso irregular da propriedade em prejuízo aos demais coproprietários/compossuídores, em total dissonância com o disposto no artigo 1.335, inciso II, do Código Civil, cujo teor segue abaixo transcrito:
Art. 1.335. São direitos do condômino:
[…]
II – usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;
Logo, ainda que o regulamento interno do condomínio seja omisso acerca desta regra de utilização das vagas coletivas/rotativas existentes nas áreas comuns da edificação, o condomínio poderá valer-se da prerrogativa do artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil, para advertir/notificar/multar o condômino pelo mau uso de sua propriedade em prejuízo aos demais, in verbis:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
[…]
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
Ademais, ainda que o veículo esteja estacionado junto à vaga de garagem privativa de determinado condômino, mas venha a se tornar um criadouro de insetos e animais, caberá o manejo de uma ação de dano infecto/obrigação de fazer/não fazer, na forma dos artigos 1.336, inciso IV (já transcrito) e 1277, ambos do Código Civil, caso o condômino/morador, após ter sido advertido e/ou multado administrativamente, mas não tome providências para solucionar o problema. Neste sentido, cabe transcrever a redação do artigo 1.277 do Código Civil:
Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Diante deste cenário, a medida correta seria guinchar o veículo causador dos transtornos!?
A resposta é não! Não é recomendável que o condomínio guinche o veículo, sobretudo porque eventuais danos causados ao automóvel serão potencialmente indenizáveis ao titular do mesmo na forma dos artigos 186 e 927 do Código Civil, motivo pelo qual a orientação é a utilização das medidas administrativas, tais como a aplicação de advertência, notificação e multa.
Caso as medidas administrativas não surtam o efeito desejado, o condomínio poderá lançar mão de uma ação de obrigação de fazer/não fazer com pedido de antecipação dos efeitos da tutela (liminar), a qual poderá determinar a aplicação de multa diária (astreintes) se o veículo permanecer no local indesejado em prejuízo à massa condominial.
Para evitar conflitos e coibir situações desta natureza, é importante que o regulamento interno do condomínio contenha a previsão acerca do uso de suas vagas coletivas/rotativas. De toda forma, caso o regulamento interno seja silente, a administração condominial deverá ser vigilante, a fim de evitar abusos e o mau uso do direito de propriedade pelos condôminos.
O saudoso professor Caio Mário da Silva, responsável pela concepção da Lei 4.591/64, ao conceber a legislação condominial, teve a sensibilidade de compreender que cada condomínio é uma pequena sociedade e possui seus “combinados”. Tais acordos de vontade deverão ser cumpridos por todos os condôminos e possuidores em virtude de sua natureza jurídica normativa, mas desde que não contrariem a legislação hierarquicamente superior.
Por isso, ter um regulamento interno bem formatado e alinhado com a convenção condominial é de suma importância para o sucesso da gestão.
Autor: Dr. Gustavo Camacho, especialista em direito imobiliário e questões condominiais.