Recentemente, o Síndico de um condomínio na Vila Mariana/SP me contratou para avaliar se o prédio que administra comporta implantar serviços de portaria remota. Ele relatou que um edifício nas proximidades passou a operar sem porteiros na guarita e o administrador estava contente com os resultados.
Realizei vistoria técnica no prédio em questão, que possui 9 andares com 2 apartamentos por andar. O edifício é antigo, com mais de 40 anos de construção, sendo que boa parte dos moradores reside no local desde a implantação. O movimento na portaria de pedestres é pequeno e a entrada e saída de autos tem fluxo diminuto.
O síndico relatou que os funcionários da portaria têm pelo menos 15 anos de casa e que, na sua percepção, estão mal acostumados e sem motivação. Síndicos anteriores não fizeram investimento em eletrônica e muito menos em segurança. Ficou claro que o prédio possui diversas vulnerabilidades e falhas no tocante a entrada de pessoas e autos. Após estudo aprofundado, emiti relatório favorável à implantação de Portaria Remota, que além de economia financeira significativa, elevaria em muito a segurança do empreendimento, o que provocaria valorização das unidades.
O síndico passou então a conversar com alguns moradores, e para sua surpresa, a maioria foi terminantemente contrária a substituição dos porteiros, por tecnologia, inovação e monitoramento à distância de imagens, sinal de alarme, controle de abertura de portões e pabx.
Indaguei se tinha sido solicitada opinião de moradores mais jovens e a resposta foi negativa. Ele informou que apenas 4 unidades têm condôminos com menos de 35 anos; a maioria dos moradores está na faixa etária superior a 65 anos. Pedi que conversasse com os moradores mais recentes para saber a opinião deles sobre a Portaria Remota.
Após uma semana recebi e-mail onde o síndico disse que somente um não concordava com a mudança no modo de se operar a portaria do edifício.
A próxima orientação foi que solicitasse aos moradores que são contra a implantação de tecnologia, que apontassem as razões por escrito.
Mais da metade não respondeu ao simples questionário que criei.
Aqueles que atenderam o pedido relataram que não se adaptariam ao uso de equipamentos eletrônicos e por isso eram a favor da continuidade do serviço de portaria presencial.
O curioso, é que na Portaria Remota os equipamentos para controle de acesso de pessoas são simples e de fácil operacionalização, tais como biometria digital ou facial.
Indaguei ao síndico se os moradores idosos usam aparelhos celulares. A resposta foi que 100% tinham facilidade até de operar whatsapp, pois todos estavam em grupo restrito do condomínio.
Para sanar algumas dúvidas, resolvi tirar uma tarde para ir ao condomínio e analisar as imagens gravadas das câmeras de segurança nos últimos 15 dias.
O resultado foi bisonho, para não dizer trágico, sob a ótica da segurança.
Veja algumas irregularidades que visualizei no monitor:
-Vários moradores passam muito tempo dentro da guarita batendo papo com os porteiros. Isso tira a atenção dos funcionários para a proteção do local.
-Por diversas vezes flagrei imagens de porteiros recebendo pizza à noite e deixando a encomenda no elevador para ser retirada pelo morador em seu andar sem precisar descer até a guarita. Assim, nessas ocasiões, por diversos minutos, a portaria do prédio tem ficado completamente desprotegida.
-Outro detalhe que chamou minha atenção, é a proximidade de alguns porteiros com empregadas de moradores. O entra e sai na guarita é grande. Até namoricos foram flagrados nas imagens do sistema de CFTV.
-Carregar compras de moradores até o apartamento também parece ser comum. Quando a demora vai ser grande, o porteiro costuma solicitar que o ajudante de limpeza permaneça em seu posto, o que poderá demandar num futuro próximo ações de ordem trabalhista em razão de acúmulo de função.
-Em algumas noites, as imagens mostraram porteiros recebendo visita pessoal na guarita.
-Três dos quatro porteiros têm o hábito de dormir na guarita nas madrugadas.
O regimento interno do prédio, que por sinal está desatualizado, proíbe todas as ações acima descritas.
O síndicos mostrou-se surpreso com algumas imagens, mas por outro lado, afirmou que sabia que algumas irregularidades eram praticadas, principalmente com favores prestados pelos porteiros a moradores mais antigos.
O único morador mais jovem que foi contra a Portaria Remota também foi flagrado nas imagens solicitando serviços extras aos porteiros, desrespeitando, assim, o Regimento Interno.
Essa relação de amizade entre colaboradores e moradores restou comprovada, pois em muitas imagens foi possível ver condôminos levando refeições para os funcionários da portaria, principalmente no horário noturno, além de presentinhos e até a chamada “caixinha” em razão de serviços prestados pelos porteiros, de forma contrária às normas internas.
Pelos motivos acima expostos, num primeiro momento, a substituição da mão de obra orgânica pelo serviço de Portaria Remota, nesse caso, não vingou. Mas o presente caso verídico serve como exemplo.
Não é por uma primeira negativa que o síndico deve desistir de promover melhorias no condomínio que administra. Muito pelo contrário, deve servir de Raio X para que no futuro seja possível quebrar bloqueios e hábitos arraigados que prejudicam a segurança da coletividade.
Somente com informação correta e precisa, analisando os prós e contras de ambos os modelos de serviço de portaria (presencial e remota), é que moradores devem decidir por qual optar. Para tanto, é preciso se desvincular dos interesses pessoais que muitos moradores têm com colaboradores de seus condomínios, principalmente quando em detrimento das normas de segurança aprovadas.
Por outro lado, é importante ressaltar, que o serviço de Portaria Remota, na minha opinião, não cabe para todos os prédios. É muito importante contar com a análise de um especialista em segurança condominial para avaliar a viabilidade ou não.