Abordaremos nesse artigo sobre o direito de vizinhança, trazendo temas atuais e corriqueiros na relação social, tratando também sobre algumas ações para solução dessas lides.
Viver em sociedade está ficando a cada dia mais difícil e, com o aumento desenfreado das cidades, com a construção de apartamentos, casas, cada dia menores e mais próximas uma das outras, o atrito entre os vizinhos cresce de forma assustadora e desenfreada, seja um vizinho residencial ou comercial.
O ideal é que todos os problemas de convivência se resolvam com uma conversa amigável, mas às vezes não é possível e as relações não se estabelecem mais Porém, na prática, o que a lei permite que seja feito quando o vizinho extrapola no seu direito?
Analisaremos as opções para a solução da lide, vejamos:
Primeiro iremos explorar alguns aspectos gerais da propriedade, sua função social e o direito de vizinhança.
Nosso ordenamento jurídico não traz uma definição legal de propriedade. Assim sua definição é extraída do artigo 1.228 do Código Civil que define o proprietário, vejamos:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Em consonância com o acatado, podemos afirmar que a propriedade é definida como o direito real de USAR, GOZAR, DISPO e REIVINDICAR a coisa de quem quer que injustamente a detenha.
Em nossa Constituição Federal em seu artigo 5º , inciso XXII encontramos a garantia ao direito de propriedade, importante também é analisarmos o inciso XXIII, vejamos:
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
Portanto é claro o direito de propriedade, previsto tanto em nossa Carta Maior (Constituição) como na legislação extravagante e no Código Civil, incluídas ai as limitações decorrentes do direito de vizinhança.
Luiz Antonio Scavone Junior relata uma observação importante, veja:
O conceito de vizinho é amplo: vizinho não é apenas o limítrofe, mas todo o prejudicado.
E também traz dois tipos de regras no Direito de Vizinhança:
Primeira, regras de abstenção de certos atos;
Segunda, regras de sujeição, vale dizer, que sujeitam o proprietário a uma invasão da sua órbita de domínio.
Depois dessa breve explanação pergunto: quais são os meios no direito civil para satisfação de uma regra?
Hely Lopes Meirelles, na sua obra magistral DIREITO DE CONSTRUIR, apresenta uma relação de ações de vizinhança, vejamos:
Ação de indenização de danos de vizinhança;
Ação de nunciação de obra nova;
Ação demolitória;
Caução de dano iminente;
Ação de construção e conservação de tapume divisório;
Ação de travejamento em parede divisória;
Ação de passagem forçada;
Ação de servidão de aqueduto;
Ações possessórias;
Ações de loteamento;
Ações de condomínios;
Ações de demarcação e de divisão;
Abordamos acima diversas ações de vizinhança, mas para desenvolvimento do assunto não trataremos de todas, abordaremos as coniventes com o tema.
No Código Civil, o direito de vizinhança é tratado através dos seguintes temas:
Mau uso da propriedade, árvores limítrofes, passagem forçada, passagem de cabos e tubulações, águas, limites entre prédios, direito de construir.
Nesse artigo trataremos somente do mau uso da propriedade pois é o objetivo deste, expor situações de incomodo para outros, caracterizando o mau uso da propriedade.
- MAU USO DA PROPRIEDADE
Já vimos que a propriedade deve ser exercida com respeito a função social e ao direito dos vizinhos, ou seja de acordo com a boa-fé e os bons costumes em conformidade com sua finalidade econômica e social.
Fora do conceito acima estabelecido, a propriedade está no uso anormal, alguns atributos do domínio que afronta a saúde, o sossego e a segurança dos vizinhos.
Para conter o mau uso, os vizinhos encontram a AÇÃO DE DANO INFECTO, que será adiante analisada e encontra fundamento material nos artigos 1.277 a 1.281 do Código Civil, vejamos:
Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Constituem mau uso da propriedade e justificam a ação de dano infecto as situações presentes nas quais o dano ainda esta ocorrendo, ou seja nas situações presentes e dotadas de continuidade.
Se o dano já se consumou não haverá alternativa senão uma ação de reparação por responsabilidade civil, com supedâneo no artigo 186 do Código Civil.
1.1 E quais são os critérios para a verificação?
Importante é ressaltar que o uso da propriedade, ainda que dentro dos limites da lei, pode ensejar um ato ilícito.
E identificar se o ato praticado pelo vizinho decorre de exercício regular de direito ou é abuso de direito é árduo, difícil caracterização, mas demonstraremos alguns atos.
Não se pode negar, outrossim, a dificuldade do magistrado na solução do conflito que lhe é apresentado, posta assim a questão, ainda que os critérios não sejam objetivos, o juiz deve ponderar e verificar:
A natureza da utilização, a localização do prédio e a tolerância ordinária entre vizinhos. Tudo de acordo com as normas municipais de zoneamento.
Outrossim, havendo INTERESSE PÚBLICO, o vizinho é obrigado a tolerar a interferência nociva à saúde, sossego ou segurança, mas pode exigir indenização (Código Civil art. 1.278).
Percebemos que as normas que impedem o uso anormal da propriedade colimam garantir a utilização social da propriedade, em respeito às normas de Direito Público, de Direito Privado, ou mesmo as normas institucionais normativas decorrentes de convenções condominiais.
As manifestações de turbação da vizinhança podem ser OLFATIVAS, MATERIAIS, AUDITIVAS.
Os casos que podem ensejar a ação de dano infecto são, de fato, os mais diversos, em jurisprudência trouxemos para esse artigo a analise de alguns temas que deram causa à ação de dano infecto, em razão do uso anormal da propriedade, vejamos:
- Manutenção de animais em apartamento, sem condições de higiene, em desacordo com a convenção;
- Construção de aterro junto à parede divisória;
- Utilização de produtos tóxicos em lava-rápido;
- Construção de esterqueira sem os requisitos de higiene;
- Insuficiência, no prédio vizinho, dos mecanismos destinados à exaustão da fumaça e gases da gordura;
- Produção excessiva de ruídos;
- Infiltrações decorrentes de apartamento vizinho;
- Desaterro, provocando erosão;
- Produção de fumaça decorrente de churrasqueira.
Grifei as causas com maior ocorrência, situações corriqueiras, principalmente em condomínios.
Portanto analisamos até aqui de forma teórica e prática sobre o direito de vizinhança através do tema de mau uso da propriedade, mostramos de forma categórica a causas que acontecem na zona urbana, acontece em sua vizinhança, apresentaremos a seguir o remédio para sanar, corrigir, recuperar ou indenizar pelo dano.
- MEU VIZINHO INCOMODA, E AGORA?
Uma opção quando seu vizinho incomoda na esfera civil é a AÇÃO DE DANO INFECTO, já falamos sobre ela acima no artigo, para relembrar as situações presentes nas quais o dano ainda esta ocorrendo, ou seja, nas situações presentes e dotadas de continuidade, se o dano já se consumou não haverá alternativa senão uma ação de reparação por responsabilidade civil, com supedâneo no artigo 186 do Código Civil.
A ação de dano infecto nesses casos pode ser cumulada com perdas e danos, materiais (danos emergentes e lucros cessantes) e morais. Pode ser requerido o pedido de cessação da interferência nociva à saúde, sossego e segurança do vizinho prejudicado.
Importante mencionarmos, na vida social, em todas as suas modalidades, é evidente que podem ocorrer os danos morais, ou seja, os danos interferem na esfera de consideração pessoal (intimidade, honra, afeição, segredo), ou na esfera de consideração social (reputação, conceito, consideração, identificação) da vítima. Todavia, a reparação por dano moral visa compensar e não recompensar os prejuízos, além de servir de exemplo à sociedade, inibindo práticas semelhantes.
Portanto é possível exigir danos matérias e morais, do vizinho incomodo.
Outra opção na mesma esfera civil é a AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA, que o conceito é muito simples, uma ação por finalidade intimar a pessoa que está construindo em prejuízo a interesse alheio. Para que não continue com a construção.
É uma forma de proteção aos direitos de vizinhança por obra abusiva ou ilegal através da cominação de multa (astreinte) com o intuito de paralisar a obra, portanto, não cabe o embargo da construção, mas apenas a ação demolitória.
Existe alguns aspectos sobre essa ação e é estritamente necessário o auxilio de um profissional devidamente habilitado (advogado), não somente nessa demanda como nas outras anunciadas aqui nesse artigo, consulte sempre um advogado.
2.1 E NA ESFERA CRIMINAL, POSSO FAZER ALGUMA COISA?
Falaremos de forma simplificada, pois o artigo foca na esfera civil, do direito imobiliário, mas é importante mencionarmos sobre a esfera criminal, pois atenta à liberdade, vejamos:
Dentre muitas, podemos enumerar algumas: a Lei das Contravenções Penais estabelece no artigo 42:
Art. 42 – Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra;
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda:
Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.
O artigo 65 da mesma legislação, objetiva proteger a tranquilidade pessoal:
Molestar alguém ou perturba-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável:
Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 02 (dois) meses, ou multa.
A Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) prevê em seu artigo 54, caput, pena de reclusão de um a quatro anos, e multa para quem: “Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana…”
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
As principais causas para aplicação dos artigos acima segundo dados são:
Carros estacionados em lugares impróprios, lixos depositados em locais inapropriados, bitucas de cigarros jogados ao chão, cachorros que defecam na grama ou calçadas, sons nos últimos decibéis, altas horas da noite, gritarias, discussões de casais e filhos, uso e tráfico de drogas nos arredores, etc. É uma perturbação que atinge níveis insuportáveis. Mesmo com multas e até prisão que penalizam os que incomodam, o problema pode ser resolvido até com uma simples conversa amigável.
- CONCLUSÃO
Ao terminamos esse trabalho entendemos que o síndico do condomínio pode ser um intermediário na condução da lide. Entretanto, quando não há como suportar a encrenca, recorra-se a lei para tentar resolver o incômodo do vizinho que aborrece. O ideal é que inexistisse desordem. Afinal, civilidade e educação não faz mal a ninguém.
Outrossim, caso não seja resolvido de forma amigável, conciliadora a lei está vigente para lhe proteger e auxiliar nas situações incomodas, procure sempre um profissional habilitado para lhe prestar serviço com excelência, em conformidade com a lei e buscando justiça.
Jullis Paulo Duarte Santos
Advogado, pós graduando em direito imobiliário, atuante em Direito Civil e Processo Civil.
Rocha Advogados
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