Introdução
Uma das frases mais repetidas no segmento condominial é de que a assembleia do condomínio é soberana. Essa afirmação é repetida frequentemente por juízes, advogados, administradores, síndicos e, principalmente, pelos próprios condôminos.
No entanto, tal assertiva é correta? Uma assembleia de condomínio é soberana? Qual a extensão dessa “soberania”? Nesse breve trabalho, esses questionamentos serão respondidos.
Definição de soberania e hierarquização da assembleia no ordenamento jurídico
Primeiramente, o que seria exatamente o adjetivo “soberano”? Soberano é aquele que exerce supremo poder e autoridade, bem como também pode ser entendido por quem detém o domínio sobre algo ou alguém. Pois bem, para avaliar se uma assembleia é soberana, temos que tentar encontrar sua posição dentro de uma hierarquia normativa do nosso ordenamento jurídico, mesmo que de forma resumida e objetiva.
(1º lugar) Constituição, Leis e outras normas públicas – a primeira posição é ocupada obviamente pela maior fonte normativa, que são as normas editadas e criadas pelo Poder Legislativo e outros órgãos competentes. Nesse primeiro ponto, visando encurtar esse estudo, estão inseridos a Constituição Federal, Leis Complementares, Lei Ordinárias, Medidas Provisórias, Decretos etc. em âmbito federal, estadual e municipal. Naturalmente, existe uma hierarquia entre todas essas normas, mas não daremos enfoque a esse aspecto nesse trabalho. Nenhuma convenção ou assembleia pode afrontar a constituição, legislação ou normas de ordem pública, sob pena de invalidação (vício de nulidade – artigo 166[1], geralmente incisos IV a VII, do Código Civil Brasileiro).
(2º lugar) Direitos adquiridos pelos condôminos – em decorrência de direitos e garantias preservados constitucionalmente ou através de outras leis, como o Código Civil, nenhuma convenção ou assembleia pode prejudicar direitos de titularidade de um condômino. Uma assembleia não pode retirar o voto de um condômino sem embasamento legal (art. 1.335, III[2], do Código Civil), não pode lhe privar de acesso à unidade autônoma (art. 1.335, I[3], do Código Civil), não pode extinguir vaga de garagem de propriedade exclusiva, dentre outros. Muito embora nem sempre seja cristalino o limite entre a decisão assemblear e o direito individual, uma vez ultrapassado esse limite, a assembleia está sujeita à invalidação (vício de nulidade – artigo 166, geralmente incisos IV a VII, do Código Civil Brasileiro).
(3º lugar) Convenção do condomínio – tanto por força da Código Civil (Lei Federal nº 10.406/2002) quanto da antiga Lei de Condomínios (Lei Federal nº 4.591/1964), a convenção é que determina a forma de convocação, quóruns e competência das assembleias, além de outros aspectos não definidos por lei (artigos 1.332[4] e 1.334[5] do Código Civil Brasileiro). Isso significa dizer que a assembleia é subordinada à convenção. Contudo, há uma assembleia que pode se equiparar à convenção: a que conta com 2/3 dos votos de todo o condomínio e item de pauta adequado para sua alteração (artigo 1.351[6], 1ª parte, do Código Civil Brasileiro). Na hipótese de a assembleia descumprir a convenção, também pode se sujeitar à invalidação (vício de anulabilidade, muito embora alguma doutrina e julgados sustentem que é também um vício de nulidade).
Em breve síntese, foram citadas três fontes normativas com mais poder do que as assembleias. A assembleia somente prevaleceria no que resta, além de ser superior a todos os demais órgãos da administração do condomínio, prestadores de serviço, empregados e demais colaboradores do condomínio.
Os riscos da falsa concepção de soberania das assembleias de condomínio
Tendo em vista o que foi abordado no último tópico, já é possível verificar que as decisões das assembleias não são soberanas e podem sim ser objeto de revisão judicial quando contrariarem norma de ordem pública, desrespeitar direito de algum condômino ou descumprir a convenção do condomínio.
Também como mencionado, nem sempre é simples se concluir que determinada assembleia descumpriu a lei, direito adquirido de proprietário ou a convenção do próprio condomínio, mas uma vez ultrapassado o limite, a assembleia não prevalece perante os demais citados. Por essa razão, realizar uma assembleia sem um advogado presente é um ato de extrema coragem ou descaso que pode gerar sérias consequências jurídicas ao condomínio, aos condôminos e aos gestores do condomínio.
Durante a realização da assembleia, um advogado experiente pode alertar a mesa que preside os trabalhos bem como todos os presentes de que determinada decisão pode gerar risco jurídico, retificando o que for necessário antes de qualquer prejuízo seja causado.
A ilusão de que uma assembleia seria soberana é o prelúdio do fracasso da reunião, pois os presentes negligenciarão os cuidados jurídicos necessários que se evite uma posterior rediscussão e invalidação da assembleia em meio judicial.
Alguns problemas podem ficar evidentes ainda durante a assembleia mas podem ser ignorados pela ausência de assessoria especializada, mas a maioria dos problemas surgem depois, uma vez que os que se sentem prejudicados podem mover ações judiciais entre 2 anos (artigo 179[7] do Código Civil, quando o ato é anulável) ou sem prazo determinado (quando o ato é nulo).
Conclusão
Levando em conta o que foi exposto, pode-se concluir que a afirmação de que a assembleia ou suas decisões são soberanas está bem longe da realidade. De fato, a assertiva “a assembleia é soberana” é mais repetida como uma forma de tentar se silenciar uma discussão em reuniões, mas é uma frase equivocada que carrega grande imprecisão jurídica e gera riscos de impugnação judicial do ato.
A bem da verdade, melhor seria afirmar, genericamente, que “a lei é soberana” ou o “condôminos é soberano quanto aos seus direitos adquiridos” ou, ainda, mesmo que de forma forçada, que “a convenção é soberana” do que afirmar que a decisão da assembleia é soberana, pois sua “soberania” estaria condicionada aos três primeiros.
Enfim, o adjetivo “soberana” tem sido utilizado de forma inadequada, distorcendo seu real significado quando aplicado à assembleia. Se algo é soberano, pode-se dizer que é a “Lei”, mencionada de forma genérica, englobando a Constituição, Leis Complementares, Leis Ordinárias etc.
[1] “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV – não revestir a forma prescrita em lei;
V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.”
[2] “Art. 1.335. São direitos do condômino:
(…)
III – votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite.”
[3] “Art. 1.335. São direitos do condômino:
I – usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;”
[4] “Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:
I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;
II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;
III – o fim a que as unidades se destinam.”
[5] “Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:
I – a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;
II – sua forma de administração;
III – a competência das assembléias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações;
IV – as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;
V – o regimento interno.
- 1 o A convenção poderá ser feita por escritura pública ou por instrumento particular.
- 2 o São equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas.”
[6] “Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos.”
[7] “Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.”
[8] “Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.”