Além do e-commerce e do delivery, outros setores também cresceram com a mudança de hábitos do consumidor por causa da pandemia. Um desses setores foi o dos minimercados em condomínios residenciais, que tomaram força no último ano. Conhecido como honest market, esse modelo de loja de conveniência dentro do condomínio, permite que o morador vá até a área comum, em local destinado ao mercado, escolha o produto e pague na hora, sem a necessidade de enfrentar filas ou caixas lotados.
Entretanto, quando olhamos para essa atividade pelo ângulo jurídico e econômico, este modelo altera a destinação de áreas do empreendimento, mudando seu objetivo de residencial para comercial. E aí surgem os problemas.
O Dr. Rodrigo Karpat, sócio no escritório Karpat Sociedade de Advogados e referência em direito imobiliário e questões condominiais, explica que do ponto de vista prático é excelente, entretanto ilegal, contrariando a lei.
“Juridicamente falando, o minimercado tem conotação comercial, requer licença de funcionamento ou no mínimo a instalação de uma empresa comercial no local para fazer venda de produtos, e esse deve ser seguido pela emissão da nota fiscal para a venda dos produtos, sob pena de funcionarem na clandestinidade. Temos ainda a questão de que a venda de alimentos está suscetível a critérios e fiscalização da vigilância sanitária”. Karpat conclui dizendo que a principal questão de inviabilidade é que a prática desvia a destinação de prédio residencial.
Explica Karpat que alguns condomínios têm restaurantes e bares dentro dos seus espaços, e isso ocorre pois tais locais foram previstos desta forma na concepção do empreendimento e assim estão aptos a funcionar desde que cumpram as exigências municipais.
O inciso IV do artigo 1.336 do Código Civil prevê que é dever do condômino “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.
Karpat declara que atividades como manicure, massagista ou personal trainer, que atuam de forma esporádica nos condomínios, não desviam a destinação dos locais. Via de regra são prestadores de serviço que atendem determinadas unidades e que algumas vezes utilizam as áreas comuns, como no caso do personal, já que a sua utilização está sujeita ao regramento previsto em Regimento Interno. Sendo assim, essas práticas diferem dos minimercados, pois o prestador de serviço autônomo não é contratado ou oferecido pelo condomínio.
“As feiras de alimentos nos finais de semana possuem caráter provisório e, via de regra, se utilizam do estacionamento de veículos ou áreas na frente dos condomínios. Nesse caso, entendo que existe a possibilidade de funcionamento, pois não requer a necessidade de abrir uma empresa no local ou desviar a destinação, pois a atividade da feira normalmente dura algumas horas. Porém, para que o condomínio não assuma responsabilidades desnecessárias, é importante que a feira tenha alvará ou licença de funcionamento”, afirma Karpat.
No caso das feiras, o feirante tem que ter a autorização da prefeitura municipal e da vigilância sanitária para poder vender seus produtos, e o condomínio deve exigir que a limpeza do local seja realizada pelo vendedor, pois a salubridade deve ser observada, já que produtos perecíveis serão vendidos e podem causar alguns riscos e danos à saúde, cuja responsabilidade pode eventualmente se reverter ao condomínio.
Para que seja aprovada a instalação do minimercado, inicialmente deve ter um espaço designado para tanto e com destinação comercial, podendo ser o restaurante ou o bar do condomínio. Existindo a possibilidade de uso regular do espaço, é necessário que o síndico reúna uma assembleia para que junto dos condôminos seja escolhida a melhor opção para o ambiente residencial. Será necessário analisar a viabilidade do projeto, a confiabilidade do vendedor, os custos com a energia elétrica, limpeza e o percentual que geralmente é repassado pelo condomínio pela venda desses produtos. Esses detalhes deverão ser compartilhados com os condôminos.
“O cerne da questão e da proibição, a meu ver, está no uso permanente de um local não descrito para este fim em Convenção e do caráter comercial almejando lucro por exploração econômica”, finaliza Karpat.