O Código Civil no artigo 1336 impõe aos condôminos o dever de preservar o sossego, a salubridade e a segurança dos demais moradores e a mesma obrigação, está prevista na Convenção e no Regulamento Interno dos condomínios.
Se de um lado, cada condômino tem a obrigação de não usar a sua unidade de modo a prejudicar o sossego dos demais compossuidores, de outro, tem o síndico o dever de coibir as práticas infratoras das regras internas do condomínio (artigo 1348, do Código Civil).
Porém em tempos de pandemia (COVID-19), temos visto um fato bastante curioso que consiste na realização de “shows” musicais por moradores tendo como palco as varandas ou sacadas dos edifícios.
Em razão do estado de anormalidade em que estamos vivendo, os barulhos fatalmente excessivos provenientes desses “shows” têm sido tolerados e, até mesmo prestigiados pela comunidade condominial que figura como verdadeiros espectadores desses cantores e ou músicos das varandas.
É certo que, em razão das famílias estarem obrigadas as permanecerem em confinamento dentro dos apartamentos sem sequer poder fazer uso das áreas comuns, os “shows” de varanda têm sido alento e um fator que contribui para amenizar a angústia e o tédio do isolamento social.
Temos visto que em tempos de pandemia, o judiciário tem aplicado a teoria da pluralidade dos direitos que é a limitação ao exercício de propriedade em função da supremacia do interesse coletivo ou até mesmo a mitigação do direto fundamental de ir e vir em prol da coletividade. E esse fato pode ser observado mediante as decisões judiciais proferidas que suspenderam temporariamente a prática das locações por temporada (AIRBNB) e as ratificadoras das decisões administrativas dos condomínios de fechamento das áreas comuns.
Entretanto, não se pode olvidar que a conduta do condômino “artista” (que muitas vezes são de fato artistas conhecidos na mídia) é infratora das regras condominiais, bem como das normas técnicas que impõem limites máximos de decibéis toleráveis conforme os horários e os locais (ABNT- NBR 10151) e, ainda a lei do silêncio (em São Paulo temos e Lei do Psiu – Lei 15.133), Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605 de 12 /02/1998) e na Lei das Contravenções Penais (Lei nº 3.688 de 03/10/1941).
Em tempos “normais” é evidente que tais atos seriam objeto de reclamações que dariam ensejo a fundada aplicação das sanções previstas nas normas internas dos condomínios.
É importante que os gestores de condomínio tenham em mente que uma conduta infratora momentaneamente tolerada em um estado de exceção, não pode ser perpetuada tão logo cessada a quarentena, tampouco o síndico pode ficar inerte em caso de eventual reclamação de algum vizinho que se sinta incomodado com o excesso de barulho, seja em razão de estar com pessoa enferma na unidade, seja em razão na necessidade de guardar o silencio em virtude do trabalho em home office , hoje aplicado justamente em virtude da pandemia, seja ainda pelo simples desconforto que a situação provoca, mesmo que o ato tenha ganhado a simpatia da massa condominial.
É recomendável que o corpo diretivo deixe claro aos condôminos que todas as regras condominiais concernentes a barulhos, bem como as demais, estão vigentes e que somente essa situação em particular está sendo tolerada em razão da receptividade da comunidade condominial, mas que no entanto, se houver a necessidade de intervenção do síndico, as normas internas serão aplicadas.
Celia Cristina Dourado é sócia da Karpat Sociedade de Advogados em São Paulo, especialista em direito condominial e atua no departamento de expansão, prestando assessoria consultiva aos escritórios Karpat e seus parceiros, nos diversos Estados da Federação.