O novo prédio residencial mais alto de São Paulo foi inaugurado no último final de semana. Com 50 andares e 168 metros de altura —apenas 2 a menos do que o atual maior edifício da cidade, o Mirante do Vale—, o Figueira Altos do Tatuapé desperta polêmica desde que sua construção começou.
O prédio, construído pela incorporadora Porte, tem apartamentos de 337 m² e uma cobertura de 594 m². O preço inicial das unidades, totalmente vendidas, foi de R$ 5 milhões.
Para o arquiteto e urbanista Lucas Chiconi, que foi coordenador do Núcleo de Valorização do Patrimônio da Secretaria Municipal de Cultura, nascido e criado no Tatuapé, o Figueira não é apenas um prédio. “Com o tamanho dele, ele se torna um símbolo. Se for símbolo do progresso, temos que nos perguntar progresso de quem e para quem”, diz.
Ele explica que o impacto do prédio foi grande porque a região tem muitas casas, e que um empreendimento desse tipo não teria o mesmo efeito no Centro, por exemplo, onde seria mais um prédio entre tantos. “Mas em um local com grande quantidade de edificações mais baixas, soa como uma forma violenta, é como se estivessem impondo algo para o lugar”, afirma.
Mila Soares, superintendente de incorporação e novos negócios da Porte, afirma que a construção de prédios com essa altura demanda mão de obra especializada e mais recursos financeiros, mas que a altura traz “vantagens intangíveis”, como uma sombra mais “esbelta e ligeira” sobre as casas, liberação do andar térreo do prédio, calçadas mais largas e uma área permeável maior. Foi possível, ainda, manter uma figueira no terreno.
A empresa também é responsável pelo novo maior prédio da cidade, o Platina 220, que terá 172 metros de altura e 46 andares. O edifício tem inauguração prevista para fevereiro, também no Tatuapé. Diferentemente do Figueira, ele terá uso misto, com apartamentos, hotel, salas comerciais e lojas.
Ricardo Yazbek, vice-presidente de assuntos legislativos e urbanismo metropolitano do Secovi-SP (Sindicato da Habitação) não considera que esses prédios sejam altos. “Não temos prédios altos em São Paulo, eles são até baixos se comparados com outras cidades do mundo”, afirma, citando países da Ásia, os Estados Unidos e os Emirados Árabes como locais de destaque.
Os edifícios paulistanos não figuram nem entre os mais altos do país. O destaque nacional fica com Balneário Camboriú (SC), que já tem um prédio de 234,7 metros e até 2022 terá outro maior, o One Tower, residencial com 290 metros de altura e 70 andares, já em fase avançada de construção.
A profusão de arranha-céus na cidade catarinense reduziu o período de sol na praia central da cidade, que agora passa por um alargamento da faixa de areia.
Apesar da altura, o Figueira tem apenas 48 apartamentos. Como explica Bianca Tavolari, pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e professora do Insper, esse é um dos pontos de crítica ao empreendimento.
Ela explica que a verticalização é necessária para a cidade, porque crescer infinitamente para os lados é prejudicial ao meio ambiente, já que a área urbana invade zonas rurais e de proteção ambiental, e custa caro do ponto de vista de infraestrutura —é preciso levar água, esgoto, eletricidade e transporte para bairros cada vez mais distantes.
Porém, projetos muito altos, mas com baixa densidade populacional, não resolvem esse problema.
“Estamos falando de em torno de 50 famílias. Antes de dizer ‘que horror a verticalização’ ou ‘adoro’, a discussão deve ser como a gente pensa uma verticalização que gere adensamento”, diz. “Um prédio de 50 andares em que cada andar tivesse 10 apartamentos talvez fosse interessante. Ainda choca, mas se justificaria pela densidade”.
Anthony Ling, arquiteto e fundador do site especializado em urbanismo Caos Planejado, afirma que os prédios como o Figueira, altos e de luxo, respondem a uma demanda existente, e podem ser uma opção melhor para a cidade do que a construção de grandes casas horizontais em outras regiões, por exemplo.
“Não é como se a alternativa fosse simplesmente não fazer nada, porque as pessoas que estão indo morar ali estão procurando algo. Se restringimos o adensamento de forma muito rígida no território, levamos as pessoas a se espalharem cada vez mais. Seriam 50 mansões”, afirma.
Para o arquiteto, não é positivo tentar segurar o desenvolvimento dos bairros da cidade, mesmo que isso implique em mudanças nas características locais. “Antes de toda essa imensidão de edifícios existir em São Paulo, ou tinha casa ou prédio menor ou não tinha nada. A cidade não acontece sem transformação da paisagem”, diz.
O projeto do Figueira não seria possível pelas regras do atual Plano Diretor, de 2014. Porém, como a Porte protocolou o projeto na prefeitura em setembro de 2013, estava autorizado a construí-lo.
“Uma vez que protocolei o projeto, posso utilizar a lei em vigor no momento que recebi o carimbo, ainda que construa só depois. É um movimento bastante estratégico, feito antes da lei de zoneamento mudar, e que acho muito problemático”, afirma Tavolari.
O Platina 220 também já havia sido protocolado em 2011, mas a empresa optou por uma nova análise do projeto, de acordo com o plano atual, para aproveitar as novas definições de construções para a zona onde o prédio se localiza, um eixo de transporte.
Segundo o atual Plano Diretor, nessas áreas, que são próximas a estações de metrô, trem e corredores centrais de ônibus, é liberado um coeficiente de aproveitamento de quatro vezes o tamanho do terreno, sem limite de altura. Em outras regiões, o coeficiente é menor e há restrição de altura —em parte de cidade, de 28 metros, com oito pavimentos.
A limitação do potencial construtivo é um dos fatores que encarecem os imóveis, afirma Yazbek, do Secovi. Quanto menor a área construída, menor é a diluição do valor do terreno no preço final do imóvel. Ao mesmo tempo, os terrenos nas zonas de eixo encarecem porque são os que mais atraem o mercado imobiliário.
O plano de 2014, válido até 2029, vai passar por revisão. Desde julho há encontros sobre o tema, organizados pela prefeitura, e na próxima semana haverá reuniões virtuais, abertas ao público.
“Essa demanda do mercado imobiliário em aumentar o coeficiente de construção é uma das batalhas que vão vir na revisão do Plano Diretor. Propriedade e política urbana brigam o tempo inteiro”, diz Tavolari.
Ela defende um uso mais cauteloso e estudado dos espaços, seguindo o conceito da função social da propriedade e as características de cada região da cidade.
“Se construo uma torre com apartamentos de luxo perto do metrô, perdi aquele espaço que poderia ser para diferentes tipos de família, que poderiam se valer daquela infraestrutura. Não é só questão de produto ou decisão individual, porque esse prédio está na cidade e impacta todo mundo”, afirma.
O arquiteto Chiconi argumenta que o debate da verticalização não deve ser encarado como uma disputa entre mansões e prédios e, sim, levar em conta os diferentes perfis de residências.
“Se a gente pegar a formação da classe média, ela mora em grande parte em casas térreas e sobrados que são colados uns nos outros. Em um lote com uma casa no Jardim Europa cabem 20 dessas da classe média, então colocar prédio contra casas é uma simplificação absurda”, diz.
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