Mudanças ocorrem em áreas mais centralizadas, com alto poder aquisitivo, mas não se espalham uniformemente pela capital
Famosas edificações que são cartões postais da cidade de São Paulo passam agora por transformações que mudam o cenário na capital. O tobogã do estádio do Pacaembu, na zona oeste, foi demolido, o Masp (Museu de Arte de São Paulo) será ampliado, também a Vila Itororó, no centro, foi transformada em um polo cultural, um antigo casarão da avenida Paulista pode dar lugar ao Museu da Gastronomia e o Vale do Anhangabaú está de cara nova.
No entanto, para o professor de Estudos da Urbanização da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP, Jorge Bassani, é preciso pontuar que tais transformações ocorrem em bairros de maior poder aquisitivo, sem incluir as periferias.
“Elas ocorrem em bairros bacanas, com equipamentos e estruturas prontas, com população de maior renda. São locais eficientes para se fechar negócios. Mas esta é uma parte muito pequena da cidade geográfica e geometricamente. É um benefício para uma população e área restritas. Nas periferias, o patrimônio está abandonado e a comunidade é vista como guardiã, mas com movimentos descapitalizados”, revela.
Para o professor, algumas mudanças são bem-vindas porque fazem movimentar a economia ainda durante a reforma, requalificam o entorno e agregam mais valor a determinado local da cidade. Mas há quase sempre um interesse econômico por trás.
“A cidade virou um grande negócio, é o principal ativo econômico. São Paulo segue tendências nacionais e globais. São renovações no mercado imobiliário. Algumas com caráter simbólico e a população apoia porque melhora o cenário. Mas há especificidades e temos que diferenciar”, explica Jorge Bassani.
Pacaembu
Um dos exemplos analisados pelo professor foi a demolição do tobogã do estádio do Pacaembu, que é tombado. A área derrubada costumava receber os torcedores que pagavam pelos ingressos mais populares do estádio nos jogos de futebol.
O prazo estipulado pela concessionária Allegra Pacaembu, que tem os direitos de gestão por 35 anos, é de três a quatro meses a partir do final de junho para a primeira etapa das obras.
O concreto do tobogã será reutilizado para a construção do novo edifício multifuncional, com um centro de convenções, shows e eventos, além de um boulevard com praça de alimentação e serviços. O prazo para a conclusão do complexo é de dois anos e quatro meses.
Durante a disputa judicial, as obras chegaram a ser barradas por ferir o patrimônio histórico da cidade, mas depois foram liberadas.
“No Pacaembu, a mudança é mais agressiva por ser um bem tombado, uma concha acústica, e pelo histórico do local. Deveríamos reagir, mas é uma área complicada, com uma casta social, e o estádio sempre gerou conflitos”, conta o urbanista.
Para acompanhar as transformações na cidade existem os Conselhos Municipal e Estadual de Patrimônio, a sociedade civil organizada, as universidades e o IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil).
Masp
Símbolo da avenida Paulista e da arquitetura moderna, o Masp terá um acréscimo de área de 6.945 m² com 14 novos andares de galerias, salas de aula, laboratório de restauro, restaurante, loja e eventos. A ampliação pretende aumentar a capacidade de visitantes e oferecer cursos e programas públicos no espaço.
O museu vai se conectar ao prédio por uma passagem subterrânea sob a rua Professor Otavio Mendes. O novo edifício será chamado Pietro Maria Bardi, o primeiro diretor artístico do Masp. Já o edifício histórico passa a se chamar Lina Bo Bardi, uma das arquitetas que o projetou.
A promessa é de que a instituição tenha uma das mais modernas infraestruturas de museus da América Latina. O custo do projeto é estimado em R$ 180 milhões e será totalmente financiado por doações de pessoas físicas. A entrega da obra está prevista para janeiro de 2024.
O presidente do Conselho do Masp, Alfredo Setubal, afirmou: “Vamos aumentar em 66% a capacidade expositiva do museu e esse é um investimento muito relevante para a cultura de São Paulo. Acredito que a expansão consolida o museu e a própria avenida Paulista como um eixo cultural, do qual o Masp, sem dúvida, é a âncora”.
Por limitações físicas, pouco mais de 1% do acervo do museu é exposto atualmente. O Masp possui mais de 11 mil obras entre pinturas, esculturas, objetos, fotografias, vídeos e vestuário.
“Nosso plano é que o edifício Lina seja dedicado à exposição das obras que pertencem à coleção do museu. Já as novas galerias deverão ser ocupadas com exposições temporárias, com pé-direito alto e equipadas com sistema de climatização e iluminação”, disse o diretor artístico do Masp, Adriano Pedrosa.
Outra transformação será a transferência da bilheteria para o novo prédio, liberando a utilização do vão livre como praça pública.
Segundo o professor Jorge Bassani, como o prédio histórico permanecerá como esta e o novo estava abandonado, a população percebe a transformação como uma atitude positiva: “As pessoas gostam de lugares bonitos, apropriados e provocativos”.
Para o presidente da Associação Paulista Viva, Lívio Giosa, as mudanças renovam os cenários e os frequentadores. “A avenida Paulista, essa velha senhora, rejuvenesce com novas ações culturais, urbanísticas e arquitetônicas. Espaços para ocupação na avenida são praticamente inexistentes, por isso estão sendo criados locais de coworking, uma renovação na modelagem estrutural, já que o aluguel é altíssimo e também o valor do m²”, explica.
A Associação contratou a FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), que entrevistou 1.200 pessoas. Elas foram perguntadas porque a avenida Paulista é reconhecida como símbolo de São Paulo. A resposta, segundo a pesquisa, foi por causa da diversidade. “Tem de tudo a toda hora na Paulista. De clube a hospital. As pessoas se sentem acolhidas, com sensação de pertencimento”, complementa Lívio Giosa.
Vila Itororó
Segundo a Prefeitura de São Paulo, a Vila Itororó, na região central, foi tombada pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) em 2002 e pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico), em 2005. A restauração teve início em 2013 e a reinauguração foi no último dia 10.
O espaço de 6 mil m² tem agora dez edificações com atividades gratuitas artísticas e de lazer e uma unidade do Fab Lab, rede de laboratórios públicos, onde é possível fazer cursos como criação de jogos, costura ou modelagem 3D. Artesãos e pequenos empreendedores podem usar os equipamentos para produção.
De acordo com o prefeito Ricardo Nunes (MDB), “Itororó será o espaço das pessoas das zonas norte, sul, leste, oeste, centro e das periferias. A cultura é uma ferramenta muito importante para a retomada da atividade econômica na cidade”.
Na ocasião, a secretária municipal de Cultura, Aline Torres, destacou o simbolismo do evento: “A Vila Itororó completará 100 anos em 7 de setembro de 2022. Foi feito com recurso público, com apoio da Lei Rouanet”.
Palacete na Paulista
Em julho, o governo de São Paulo lançou um chamamento público porque pretende conceder à iniciativa privada o Palacete Joaquim Franco de Mello, o último casarão residencial da avenida Paulista, 1.919. Ao longo do tempo, o espaço se deteriorou e agora a intenção é transformar o imóvel no futuro Museu de Gastronomia.
O casarão, construído em 1905, é tombado pelo Conpresp e pelo Condephaat desde 1992. O espaço terá de ser restaurado e a ideia do governo é também construir um anexo, já que o terreno é de 2 mil m².
Segundo o professor de urbanização, as concessões precisam ser bem avaliadas: “É importante pensar na preservação do bem, na não decadência. Mas as flexibilizações de leis passaram a ser hábito nas administrações públicas e estamos deixando de tomar o devido cuidado”.
Já o presidente da Associação Paulista Viva defende tais mudanças. “A avenida Paulista acompanha os novos desafios urbanos. É um dos espaços mais nobres da cidade. São sinais de que é um espaço diferenciado que provoca reações propositivas para que visitantes e moradores explorem essa pujança e somos protagonistas nestas transformações”, ressalta.
Vale do Anhangabaú
Com o projeto de reurbanização do Vale do Anhangabaú, no centro, a administração municipal pretende atrair mais pessoas para a região e dar um novo significado ao espaço público, reaberto em 25 de julho por causa da pandemia de covid-19. Para isso, segundo a prefeitura, foi preciso mudar a sinalização, remover barreiras, instalar bancos e melhorar a sensação de segurança aos frequentadores.
Os principais pontos de consenso foram a inclusão de wi-fi grátis, mais árvores, cadeiras dobráveis, boa iluminação e recuperação da água na paisagem do vale. Há ainda uma pista de skate perto do viaduto Santa Ifigênia e da estação São Bento do Metrô.
As intervenções tiveram início em maio de 2019, criaram polêmica e o cronograma sofreu atrasos. A obra se estendeu por mais tempo, o que gerou maior custo ao projeto do grupo Biselli Katchborian Arquitetos Associados.
Fonte: https://www.r7.com/